Seria possível escrever a “melhor tese de doutoramento do mundo” sem emigrar?

Ora aqui vai um post que vai contra o pensamento reinante.

O discurso mais consensual parece ser o de criticar o país, desde logo os políticos, por “não darem condições” a todos os portugueses cá pela velha pátria, “forçando” uma série deles a partir. Tudo isto, sistematicamente, com tom azedo e que encerra uma perspectiva de um país fracassado. É a velha falta de oportunidades, naturalmente vítima da falta de estruturas, de investimento, de vontade! No fundo, tudo consequência de meras opções políticas…

Tirando quem tenha motivações políticas, o que é legítimo ter, custa-me entender este discurso, pelo menos na forma como tipicamente aparece colocado: as pessoas não querem emigrar/ as pessoas têm que emigrar para sobreviver-prosperar/ as pessoas partem invariavelmente destroçadas/ o país devia ter vergonha de ser um país assim/ a culpa é dos políticos, que não “dão oportunidades” a todos/ ainda por cima, muitas vezes, o emigrante é alguém “muito qualificado”.

Emigrar

Neste momento, um português está a ser notícia por ter recebido o Heizer Best Dissertation Award da Entrepreneurship Division da Academy of Management, “considerado o prémio mundial mais importante na área de empreendedorismo”. Este português é o Sérgio Costa e é um amigo. E está, naturalmente, de parabéns.

Como é um amigo, fui seguindo uma série de links que noticiavam o facto. Nestas coisas, é sempre curioso dar uma espreitadela nos comentários que agora, livremente, cada um pode deixar em cada notícia. E se, tipicamente, os comentários são positivos, de felicitação e de satisfação por este reconhecimento de um compatriota, lá vem sempre, aqui e ali, um comentário que toca na emigração e no facto de “muito provavelmente, aqui estar um candidato a emigrar, porque este país, seguramente não lhe vai dar condições de trabalho”.

A vontade de escrever este texto surgiu precisamente por ver esses comentários. Não creio que façam sentido e digo porquê.

No caso concreto do Sérgio Costa, aquilo que as pessoas que fazem os comentários diabolizando a emigração não saberão é que o doutoramento do Sérgio Costa e, portanto, a sua tese, foram obtidos numa universidade escocesa. Portanto, o Sérgio Costa, para obter este reconhecimento, esteve fora do país!

E, qual é o problema disto?! Será que é legítimo achar que cada universidade portuguesa, maior ou mais pequena, consegue oferecer condições de investigação que permitam atingir excelência a todos que lá colaboram? Não se pensará que a excelência tem um efeito centrípeto, atraindo mais recursos, mais cérebros, mais visibilidade e assim, permitindo potenciar a espiral de crescimento?

E não é lógico pensar que quem tem mais ambição quer estar em ambientes mais competitivos? E, aliás, se é ambicioso, se quer algo maior para a sua vida, não se trata de querer estar em ambientes mais competitivos e com maior competência, trata-se de TER que estar.

Há, portanto, uma certa ingenuidade quando se fala da emigração de muitas pessoas. Porque, ainda que também elas tenham que sacrificar algo ao saírem do país, elas buscam melhorar a sua vida e isso é motivação mais natural e legítima de um ser humano.

Mas não pensemos que isto se aplica só a pessoas altamente qualificadas. Recentemente liguei a um familiar e, para minha surpresa, estava na Holanda. A trabalhar! Tinha sido contratado por uma empresa com sede na Bélgica (ou seria Luxemburgo?) que depois presta serviços a países ali à volta. Esta pessoa tem baixas qualificações mas em Portugal estava a trabalhar e não estava sequer em risco de desemprego. Mas então, porque emigrou? A resposta é simples: quer melhorar a sua vida. E quer fazê-lo a um ritmo mais rápido do que o conseguiria fazer em Portugal.

E isso é mau? Isso é sinal de um país que maltrata os seus? Não creio! É sinal de gente que quer o melhor para si e o procura. E isso é de louvar.

Está claro que há situações dramáticas, de pessoas que, apesar de todo o esforço, não conseguem arranjar meio de subsistir em Portugal, restando-lhe sair do país e encontrar um meio de subsistência lá fora. Não nego que haja situações muito duras. Só não creio que a avaliação que tipicamente é feita da emigração e da culpa dos políticos e da “vergonha de país” tenha muito a ver com isto.

Sou o primeiro a achar que a forma como a nossa sociedade está organizada e, por arrasto, a forma como o poder político se expressa, são culpados, pelo menos em parte, pelo nosso atavismo cultural e económico contudo, não tenho qualquer pretensão de achar que o papel dos políticos é o de “dar” oportunidades a todas as pessoas, independentemente das opções, livres, que cada um foi fazendo.

Se sou médico dentista em Portugal, entro no meu curso já a saber que o mercado está bastante saturado e, ainda assim, tomo essa decisão – legítima – e no fim tenho dificuldade de emprego, pelo menos “emprego tradicional”, por que razão não há-de ser a emigração uma opção legítima, positiva e nada indicadora de qualquer falhanço pessoal ou da sociedade portuguesa?

Já antecipo as críticas: Portugal “devia” criar oportunidades para segurar todas estas pessoas. Mas, como? Com investimento público, imagina-se. Esquecendo-se porventura que investimento público pressupõe impostos para o financiar. E será que criar emprego para mais investigadores, enfermeiros, dentistas ou seja o que for, é a melhor alocação desses recursos?

Esta conversa sobre a necessidade de investir mais para “segurar”as pessoas é a mesma conversa que há sobre o investimento no interior do país vs o litoral. “Há que investir no interior, dando condições aos jovens para se manterem na terra que os viu nascer”. Não será no mínimo ingénuo pensar que as coisas funcionam assim?

Se quero trabalhar numa empresa grande, será que posso genuinamente pensar que o vou fazer sem sair de Beja ou de Bragança? Se quero evoluir como actor de teatro, posso fazê-lo a níveis elevados sem ir para Lisboa ou Londres? Se quero ganhar títulos internacionais como jogador de futebol e uma grande visibilidade mediática, onde estarei melhor, em Portugal ou em Espanha ou Inglaterra? Obviamente, poderia dar exemplos sem fim, ilustrando a ideia de que mudar para um mercado mais rico é, apenas, uma decisão lógica e nada tem de mal. E que, goste-se ou não, não é algo que se poda mudar por meras decisões governamentais, por mais que muitos fantasiem com o contrário.

Mas quererá isto dizer que os zonas periféricas como é Portugal quando comparado com o centro da Europa ou como é o interior português quando comparado com Porto e, sobretudo, Lisboa, não têm hipótese de sobreviver? Claro que não. Têm é que se centrar naquilo que as diferencia, em vez de procurarem (e se iludirem com a ideia) de ser cópias baratas e pindéricas das zonas maiores e mais ricas.

Lisboa nunca será um centro financeiro capaz de competir com Londres contudo, tem singularidades que lhe podem permitir atrair gente competente, mesmo a nível internacional, em vários domínios. O Porto nunca será Veneza mas a sua genuinidade e esforços concertados, tem feito do turismo um êxito extraordinário. E se o Alentejo não tem a densidade populacional de Lisboa, tem algo que será cada vez mais importante à medida que nos tornamos num mundo cada vez mais urbano. Tem espaço e ar fresco para respirar, um bem escasso que será cada vez mais valorizado.

Oportunidades para indivíduos e instituições não faltam, haja a capacidade de acrescentar valor sustentadamente agora, pensar-se que podemos replicar aquilo que de melhor se faz em cada área, em Portugal, isso é ingénuo e não leva a lado nenhum.

Não ficamos contentes por Portugal ser o destino preferido dos idosos franceses para viverem? também eles são emigrantes dos seus países, curiosamente…

Quer-se que os políticos façam alguma coisa bem feita? Pois bem, podem começar por simplificar a burocracia ligada ao turismo de saúde, por exemplo. Podem potenciar a concorrência, eliminando bolhas de proteccionismo.

Seria possível escrever a melhor tese de doutoramento do mundo sem emigrar? O Sérgio Costa teria, no Porto, no Algarve ou em Glasgow, a mesma massa cinzenta, isso está claro. Mas, provavelmente, na ausência de todo aquele contexto, o resultado final não poderia ser tão brilhante.

Eu nunca emigrei. Faço algumas incursões profissionais pelo estrangeiro mas não mais. Talvez seja isso que me esteja a faltar, para um novo salto em frente. Não sei se o farei algum dia, se o considerarei uma decisão adequada no meu contexto pessoal contudo, se o fizer algum dia, não o farei zangado com o país (talvez sim com a sua carga fiscal e a sua legislação asfixiante). Mas se tiver a certeza que emigrar é uma boa opção para mim e, ainda assim, não me mexer, bem posso ficar zangado com uma pessoa. E essa pessoa, serei eu.

Minimizar risco ou potenciar retorno?

O adágio popular é claro, “quem não arrisca, não petisca”, e traduz a forma como são as coisas: quem não assume qualquer risco, não pode esperar qualquer retorno, muito menos retornos acima da média.

Se isto me parece indiscutível, pode já haver mais dúvidas sobre aquilo que deve ser a postura de um investidor, seja “mero” investidor financeiro, seja um empreendedor: maximizar o retorno potencial, assumindo riscos superiores ou, antes de mais, garantir que não perde, gerindo assim o seu risco?

Perfis diferentes de risco levarão a posturas diferentes, naturalmente. Todavia, e apesar de isto ser verdade, penso que um qualquer investidor que tenha uma visão de longo prazo, privilegiará sempre a gestão do risco, assegurando que, antes de ganhar, não perde. Está claro que, idealmente, se deve fazer uma gestão de risco tal que, minimizando as perdas, potencie de forma assimétrica os ganhos contudo, insisto, mais do que maximizar ganhos extraordinários, a primeira preocupação de um investidor deverá ser a de minimizar o risco de perdas.

Resolvi partilhar estas considerações depois de ver um vídeo em que caçadores Masai roubam carne a um grupo de leões. E tudo isto sem qualquer confronto, fazendo uso de uma atitude decidida e de uma execução rápida e sem falhas.

Por que razão se afastam os leões? Por instinto de sobrevivência, minimizando as perdas potenciais, a vida, ainda que à custa da recompensa da sua caçada, o alimento.

Poderá pensar-se que os Masai optam por uma estratégia completamente oposta, maximizando o risco. Não é verdade. E não é verdade, desde logo porque se trata de uma prática ancestral e que cada um daqueles homens seguramente já levou a cabo várias vezes. Eles sabem, com suficiente probabilidade, qual será a reacção dos leões à sua aproximação, e saberão também qual o tempo que têm até os leões se aperceberem que o perigo afinal não existe e que podem facilmente reclamar o seu alimento.

É bem provável que este conhecimento se tenha acumulado à custa de algumas vidas Masai mas, já diz o povo, “quem não arrisca, não petisca”!

Mudei de vida

mudar de vida

Já alguma vez sentiu que aquilo que estava a fazer não o preenchia verdadeiramente? Já passou pela experiência de olhar para o futuro e aquilo que vê não é o que realmente quer? Já acordou sem vontade de trabalhar, sentindo-se angustiado ainda antes de sair da cama?

Eu já! E por isso decidi mudar de vida.

Por um conjunto de razões que hoje não cabem aqui, tirei o curso de fisioterapia. Convém dizer que foi a minha primeira escolha. Gostei do curso e tive uma performance académica bastante boa. Aliás, fui o melhor aluno da minha turma e recebi até um prémio que, curiosamente, acabei por nunca reclamar.

Comecei a trabalhar como fisioterapeuta aos 20 anos. Era muito novo. Dois fenómenos ajudaram a esse facto. O primeiro, é que como tinha iniciado a então escola primária com 5 anos e não 6, estive sempre um ano adiantado. O segundo, é que na altura era-se Fisioterapeuta, apto a trabalhar, ao fim de 3 anos de curso. O 4º ano fi-lo já a trabalhar, em regime pós-laboral.

Pois bem, lembro-me que um dia, no final da jornada de trabalho parei, reflecti no dia que terminava, nos anteriores, nos futuros, e senti angústia. A realidade revelou-se-me de forma clara e dura: não queria fazer aquilo o resto da minha vida. Aliás, não estava seguro que o quisesse fazer muito mais tempo! Penso que isto sucedeu pouco depois do primeiro mês de trabalho… Convém também referir que para 20 anos e recém-formado, o vencimento que auferia era bastante simpático, sobretudo quando visto à distância dos anos.

As semanas passaram e tive que mudar de emprego porque onde estava não era compatível com o 4º ano do curso, que estava prestes a iniciar. O 2º local onde trabalhei foi a machadada final. Detestei realmente trabalhar lá. E aí, por vezes, acordava sem vontade de trabalhar, frustradíssimo. Apesar disso, nunca faltei. E não duvido que fiz um trabalho sério e profissional. Mas, sem prazer.

O mundo é dinâmico – felizmente – e isso abriu-me a possibilidade de mudar de novo de emprego. Desta feita, trabalhava num gabinete de fisioterapia de referência da cidade do Porto e isso aplacou um pouco o meu desejo de mudança de vida. Aplacou mas não o eliminou. Definitivamente, apesar de gostar muito da fisioterapia – ainda hoje gosto – ser Fisioterapeuta “clínico” não era o meu caminho.

E quanto mais o tempo passava, mais isso ficava claro. Fui dando ouvidos à minha voz interna e ficou claro que o que me apaixonava e punha a sonhar era o mundo dos negócios. Apercebi-me, inclusivamente, que era algo que já me acompanhava desde adolescente mas ao qual nunca tinha dado ouvidos de forma estruturada. Todavia, com 21, talvez 22 anos, não sentia que fosse o momento certo para montar um negócio. Pensava que ainda não sabia o suficiente para dar esse passo.

Foi então que decidi fazer um MBA. Decidi, candidatei-me e entrei. E assim, mudei de vida. Despedi-me do local onde trabalhava e entrei na então Escola de gestão do Porto, hoje Porto Business School. Creio que a primeira aula foi a 28 de Julho de 2003. Tinha 22 anos. Era muito novo (demasiado, porventura) e, tanto quanto sei, o primeiro Fisioterapeuta a fazer um MBA em full-time.

O MBA entretanto foi-se aproximando-se do fim e não fazia a mínima ideia do que fazer a seguir. Estava a adorar aprender gestão e ter aquele contacto com empresas e pessoas ligados ao mundo dos negócios e, portanto, queria continuar a aprender. Mas, será que iria conseguir trabalhar em alguma empresa? Para todos os efeitos, era apenas um mero Fisioterapeuta com um MBA, 23 anos e sem experiência em gestão.

Mas então, a minha vida mudou de novo! Tinha entrado num processo de recrutamento para a Optimus e acabei por ser seleccionado. E assim, no dia 2 de Agosto de 2004 (já lá vão 11 anos!), a minha vida girava mais uns graus.

É muito justo reconhecer a abertura de espírito das pessoas que estiveram envolvidas nesse processo de recrutamento, uma vez que contratar um perfil tão diferente do óbvio envolve sempre mais riscos. Essas pessoas foram o Hugo Macedo, colega de MBA que apontou a existência do processo de recrutamento e que depois foi o meu primeiro chefe, o Miguel Tolentino, então nos Recursos Humanos, o Renato Ribeiro, que foi meu chefe directo quase todo o tempo que lá estive – alguém que me ensinou muito, talvez mais do que ele possa suspeitar, e o Manuel Ramalho Eanes, então director da unidade de negócios onde fui trabalhar, alguém com uma inteligência superior e um líder com grande autoridade.

Tive dois anos de uma aprendizagem incrível e de genuíno prazer no trabalho desenvolvido. Foi uma escola muito importante para mim. Uma escola com coisas boas e coisas más mas, indiscutivelmente, marcante. Entretanto, sentia renascer em mim o desejo de lançar a minha própria empresa. Mais do que uma coisa racionalizada, era um ímpeto visceral. Não queria passar a minha carreira inserido num sistema que não tinha qualquer possibilidade de influenciar a um nível realmente impactante. A certa altura comuniquei o meu desejo de sair da Optimus, concretizando-se a saída em Dezembro de 2006.

Mudei novamente de vida: despedi-me, deixando um emprego “seguro” e saltando para uma situação sem qualquer remuneração garantida. Sabia que o risco era elevado. Mas sabia também que, em bom rigor, talvez nunca fosse tão baixo. Tinha 25 anos e toda uma vida pela frente. E havia algo não me deixou vacilar: tinha jurado para mim mesmo que não voltaria estar em nenhum lugar onde durante demasiados dias seguidos sentisse falta de energia ao acordar…

Mudei de vida nesse Dezembro. Sou empresário desde essa altura. É tudo fácil? Nada disso! Arrependo-me? Nem por um segundo me arrependi, mesmo nos momentos mais difíceis que já vivi. É que há outra coisa que naquele dia 28 de Julho de 2003 disse para mim próprio no fim da primeira aula daquele terrível período de homogeneização do MBA (umas semanas de aulas intensivas para quem não tem um background de gestão/ economia ou, pelo menos, um claro background quantitativo), uma aulas em que fiquei bastante apreensivo – para ser eufemístico – com a minha capacidade de chegar ao fim do MBA. E o que disse, e que ainda hoje repito para mim próprio em algumas circunstâncias foi “prefiro o risco de não atingir o que me proponho, do que o risco de arrependimento por não ter tentado”.

Um abraço do,

Hugo Belchior

Casillas, a ingratidão e o valor acrescentado

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Ao ver a despedida do Iker Casillas, sozinho em frente aos jornalistas, voz embargada, dei comigo a pensar na gratidão.

Ainda que aquilo que escreveu (e depois leu) seja totalmente verdade – não há razão para duvidar – e que tenha aprendido com cada um dos seus treinadores e que, na hora da despedida, agradeça mil vezes, sobretudo aos madrilistas, assim denotando uma racional gratidão, não se terá ele sentido injustiçado e vítima de ingratidão nos últimos tempos, com as assobiadelas no Bernabéu, a perda de algum estatuto que começou com Mourinho, terminando numa saída que, parece claro, não queria?

No lugar dele – ele que tantas alegrias deu a milhões de aficionados madrilistas – quem de nós não se sentiria vítima de ingratidão? Eu, desde logo! E, provavelmente, estaria errado.

A gratidão é um sentimento nobre. E está inculcado na nossa cultura de forma marcada. Por essa razão, a percepção da sua ausência fere tanto, com aquela dor que o sentimento de injustiça sempre potencia.

Acontece que, pelo menos nos negócios – e, num clube profissional, um guarda-redes, pago a peso de ouro, é um activo desportivo – a gratidão, pura e simplesmente, talvez não faça sentido. Pelo menos como moeda de troca comercial.

Então, se a gratidão não pode ser a moeda de troca, qual deverá ser? Simples: o valor acrescentado. O Real Madrid não foi ingrato ao “dispensar” o Casillas; o Casillas é que já não acrescentará o mesmo valor. A dor, no fundo, mais do que a dor da ingratidão, imagino que seja a dor da consciência do auge que passou e que se sabe que nunca mais voltará. A dor de uma nova realidade. Com menos estatuto e, provavelmente, com menos títulos e menos glória. Reconheçamos que não é fácil.

O melhor mesmo, por mais duro que o processo possa ser, é procurar outros contextos onde, aquilo que se acrescenta continue a fazer a diferença, e possa ser valorizado de forma satisfatória. E o Casillas, esse, não deixará nunca de ter o mérito de ter ganhado o que ganhou e de ser um atleta de elite, um verdadeiro génio. Apenas tem que digerir a realidade da passagem do tempo.

Do meu lado, e apesar de (pouco fervoroso) benfiquista, reconheço a magistral jogada de marketing de Pinto da Costa e fico feliz pelo meu Porto (cidade), ficar ainda mais no mapa dos nuestros hermanos inclusive, aposto, da bela Sara Carbonero. A Avenida da Boavista não será a Castellana mas o Manzanares não se compara ao imortal Douro. Vem, Sara, aqui podes ser feliz!

A Oliveira (parabéns avó)

A minha avó paterna, a Avó Emília, faria hoje 103 anos. Em sua memória deixo este texto aqui. Um texto que escrevi há 10 anos.

Oliveira

Sentado numa pedra fito uma oliveira e penso há quanto ali estará. Certamente alguns séculos dizem-me. Mas não quero saber os seus anos. A nossa contabilização não se aplica a uma oliveira.

Penso noutra métrica. Quantas gerações terão trabalhado para que aquela oliveira, ano após ano, continue a fornecer o seu fruto? Levanto-me e toco na oliveira. Sempre que visito um monumento histórico gosto de tocar nas suas paredes. Imagino sempre quantas mãos já lá terão tocado, que vidas transportariam essas mãos e que pensamentos preencheriam essas vidas. Repito o gesto na oliveira. É um monumento. Um monumento ao estoicismo.

O que terá movido os homens que ao longo dos tempos têm servido aquela oliveira, na expectativa insegura do seu retorno?

Penso de novo no suor dos que ali terão trabalhado. Penso nas vidas de todos que, como eu, já tocaram naquele ramo grosso e imponente. Penso nas alegrias que esta oliveira lhes terá dado e nas tristezas que certamente também trouxe.

Quem terá sido o criador daquele ícone? Terá ele alguma vez pensado que um dia alguém tocaria num dos ramos, pensando nas vidas passadas sob a sua oliveira?

Arrogantemente penso no poema de Cesário Verde. Aquele em que o poeta revela o seu desejo paradoxal de viver a simplicidade da vida da camponesa e, simultaneamente, ter a consciência dessa simplicidade. Penso nisto arrogantemente, porque admito que as mãos que comigo terão partilhado o toque daquele ramo terão pensado de forma bem mais simples. Quantos quilos dará esta oliveira? Será o azeite de boa qualidade?

Na minha arrogância quase não vejo que foram essas mãos grossas e calejadas que contribuíram para as minhas mãos citadinas e para a minha abstracção improdutiva. Quase não vejo que sob aqueles ramos e sobre aquela terra que pisada solta um ruído incrivelmente sedutor, passou o esforço estóico de muitos dos meus. O estoicismo de alguém que, eventualmente, mesmo sem conseguir filosofar sobre as suas acções, sentia a força de uma necessidade superior de continuar, ano após ano, lavrando, adubando e amando a oliveira. A força da razão mais pura está ali. A necessidade de o homem vencer e de o homem se vencer. Nunca saberia o pai da oliveira que séculos depois alguém pensaria na oliveira como um símbolo do esforço estóico de gerações de homens. O que sei é que aquele pai sabia que tinha que plantar aquela oliveira, cuidá-la e amá-la para que o seu fruto fosse alimentando os sonhos crescentes dos seus filhos e netos por nascer.

Parabéns, avó.

O emprego mudou. Uns adaptam-se, outros não.

O mundo mudou. A revolução digital é incontornável e encerra enormes desafios. Às economias e, claro, a cada trabalhador.

O modelo de trabalho para o qual grande parte de nós foi preparado – e os nossos pais, mais ainda – é um mundo em extinção. Podemos vociferar contra os impactos destas mudanças, sabendo que isso as controlará tanto como parar o vento com as mãos, ou podemos procurar entender o que se passa e percorrer um caminho de adaptação à realidade. E, ajudar os outros a percorrê-lo.

Cada revolução faz as suas vítimas, não vale a pena iludirmo-nos. Não temos é que ser nós essas vítimas. Pelo contrário! Se é verdade que esta revolução traz muitas ameaças, encerra também imensas oportunidades.

E estão aí, para serem exploradas!

Para ilustrar algumas destas ideias de forma bem mais eloquente do que eu consigo fazer, convido a investir pouco mais de 8 minutos para ver o Seth Godin a deixar tudo mais claro. E o vídeo já nem é novo e, portanto, se só hoje estiver a tomar contacto com este tema, lamento mas já está um pouco atrasado. Mas, calma, ainda nada está perdido!

Falhei?

Sinemys

Em 2011 lancei uma empresa. A minha 3ª empresa. A Sinemys. Era uma empresa que ambicionava dar passos lentos mas sólidos e, por isso, o nome de uma espécie extinta de tartaruga parecia fazer todo o sentido.

A vontade de montar esta empresa tinha surgido pelo facto de eu e o Luís Ramalho sentirmos que tínhamos competências complementares. Tínhamo-nos conhecido algum tempo antes no âmbito de trabalho conjunto na Bwizer – eu era cliente do Luís através do projecto Fisiozone – e, paulatinamente, fomos desenvolvendo uma relação de respeito mútuo.

Nas conversas que fomos tendo, mesmo antes de idealizarmos uma empresa em comum, percebemos que tínhamos ambos espírito empreendedor – o Luís dedicava-se a projectos online salvo erro desde 2004 e eu, tinha já duas empresas, a Bwizer e a Belpac.

Quando duas pessoas empreendedoras se juntam, nunca se sabe o que pode dali surgir mas é bem possível que algo surja! E assim foi: decidimos criar a Sinemys e ao projecto juntou-se o Manuel Paquete.

A ideia original centrava-se no desenvolvimento de projectos de comércio online. E assim, em 2011, mais uma empresa via a luz do dia!

Faço um bypass ao processo da Sinemys e salto para o desfecho: a meio de 2014 encerrávamos a empresa, com perdas de alguns milhares de euros.

Apesar de ser a terceira empresa que criava, hoje reconheço que demasiadas coisas deixavam antever este fim. Partilho as que me parecem mais relevantes:

1) sem um motor, nenhuma empresa anda, muito menos uma start-up: quando iniciámos a empresa o Luís estava na Escócia, em St Andrews, a estudar computer science. Por mais boa vontade que tivesse, não tinha o tempo suficiente para o projecto. Já eu, geria duas empresas e não podia dedicar-lhes menos tempo.

2) por mais forte que seja o motor, tem limitações: eu era o motor em duas empresas, duas empresas ainda juniores e bastante dependentes de mim. Repetir esse papel numa terceira, ao mesmo tempo, pura e simplesmente não foi possível.

3) as expectativas sobre o papel de cada sócio têm que ser claras: eu assumi um determinado para o Luís e o Luís assumiu outro para mim. O azar é que as expectativas de cada um não eram propriamente congruentes…

4) a ideia de negócio tem que ser sólida: sendo verdade que um produto não tem que estar totalmente pronto antes de ser colocado no mercado – veja-se a este propósito os insights de Eric Ries em “The Lean Startup” – tem contudo que haver uma ideia de negócio robusta e que guie as acções diárias. Ora, na Sinemys, flutuámos imensas vezes sobre qual deveria ser o papel da empresa e, de uma ideia inicial na área do comércio electrónico, acabámos no desenvolvimento web com uma paixão especial por Ruby on Rails. Pelo meio, passámos por várias outras estações! Está bem de ver que esta volatilidade estratégica é contra qualquer regra de bom senso.

5) if you have to fail, fail fast: bem antes do fim formal da empresa, o seu destino estava traçado. Tivéssemos sido mais pragmáticos na análise e na decisão, mais depressa teríamos resolvido o problema e menos tempo e menos dinheiro teríamos gasto.

6) não financie empresas que não funcionam (por mais bonito que seja o logo!): a Sinemys foi beneficiando de viver no ecossistema da Bwizer e da Belpac. Isso permitiu retirar-lhe alguma pressão financeira o que, no caso de se tratar de uma empresa com rentabilidade, teria sido óptimo. O problema é que não era. E o benefício de existir num ecossistema que não implica custos ou, pelo menos, custos elevados, leva a procrastinar na tomada das decisões que têm que ser tomadas.

Poderia continuar esta lista mas creio já ilustrar bem a magnitude e quantidade de erros cometidos.

Porém, todo este projecto, incluindo o encerramento da empresa, teve uma série de virtudes:

1) Fiquei muitíssimo mais desperto para a importância da tecnologia na dinâmica de qualquer negócio e isso levou a mudanças significativas na Bwizer.

2) Obrigou-me a estudar outros modelos de negócio, reforçando a minha agilidade mental para “pensar em negócio”.

3) Reforçou a minha percepção de valor do papel das redes sociais na estratégia comercial das empresas.

4) Levou ao reforço da estrutura societária da Belpac e da Bwizer, com a entrada de mais um sócio, o José Vidrago, com impactos muitíssimo positivos no funcionamento das empresas fruto da sua experiência e do seu conhecimento. O Vidrago acabou por se juntar porque, num primeiro momento, se colocou a hipótese de se juntar à Sinemys, uma hipótese que não se concretizou.

5) Já sei como se fecha uma empresa!

6) Introduziu-me a um novo negócio, assente em domínios.pt genéricos. Com a liberalização dos domínios.pt a 1 de Maio de 2012, a Sinemys decidiu investir no registo de uma série de domínios. Eu repeti o exercício a nível pessoal e o mesmo fez a Bwizer. A Bwizer, aliás, deve hoje ser a empresa com o mais valioso portfolio de domínios.pt na área da saúde, destacando-se grande parte das especialidades médicas e de medicina dentária. Eu, entretanto, já vendi alguns domínios e, muito provavelmente, já recuperei as perdas que a Sinemys me tinha trazido!

A Sinemys falhou. E eu, terei falhado também?

O que sei é que não me arrependo nada deste projecto. Sou, graças a ele, um empreendedor mais capaz. Às vezes flagelamo-nos excessivamente com os fracassos, esquecendo-nos de ver que um sucesso pode estar a despontar.

Envio um abraço a todos aqueles que já lançaram um projecto que não correu tão bem como previam!

Hugo Belchior

PS. Se desse lado alguém quiser partilhar uma história de um empreendimento mal sucedido mas com resultados secundários positivos, tenho muita curiosidade em o conhecer.

Os foguetes não são a festa toda

No dia 8 de Junho escrevi um artigo sobre um varredor. Dei-lhe o nome “Varredor de ruas“.

Foi um artigo que escrevi em 20 minutos, sem grande preparação. Apenas passei para texto a reflexão que tinha articulado durante aquela tarde. Para surpresa minha, o artigo ganhou viralidade e, muito rapidamente, chegou a milhares de pessoas. Houve largas dezenas a deixarem o seu comentário e a entrarem com contacto comigo por canais diferentes.

Acabo de ver as estatísticas e o artigo já ultrapassou as 100.000 visualizações.

Estatísticas 100k

Naturalmente que um resultado destes é recompensador. Afinal, é sinal que aquilo que escrevi tocou muita gente.

E creio que o segredo foi a genuinidade do relato e o apelo que fazia a uma perspectiva de reconhecimento e valorização do outro, mesmo daqueles a quem muitas vezes se presta menos atenção.

Mas, aquilo que aqui me importa hoje trazer é uma reflexão sobre os hypes, os fogachos, os foguetes. Sejamos claros: para alguém que tem uma perspectiva de longo prazo da sua carreira e da sua presença online, um hype, só por si, vale pouco. O que interessa é a capacidade de trazer conteúdo relevante, post atrás de post.

O exercício não é fácil e representa um enorme desafio a todos aqueles, bloggers e empresas, que pretendam ter uma existência online. Contudo, quem pretender ter uma vida longa, não tem alternativa a esse exercício permanente.

Numa altura em que a falta de paciência é reinante e a maioria fantasia com o sucesso fácil de reality-show, é bom pensar que 100.000 visualizações é um belo número mas, muito mais importante que um foguete matutino que anuncia a festa, é manter a festa sempre, a um grande ritmo.

Este artigo seguramente não despertará o interesse de 100.000 pessoas. Talvez nem de 100. Mas, tenho sempre a hipótese de tentar de novo, noutro dia qualquer.

Vemo-nos por aí!

Chegadas e partidas

Estou no México. E não, não estou a banhos. O México é bem mais que Acapulco ou Cancún – que nem conheço.

Detalhe mural Diego Rivera

Depois de pouco mais de um dia na Cidade do México, cidade que me impactou pelo ambiente fervilhante do seu centro histórico, vim para Querétaro. E vim trabalhar.

Nesta sexta-feira e Sábado vai decorrer, nesta surpreendentemente bonita cidade, um curso da Bwizer, empresa que co-fundei em 2008. Sim, vamos organizar um curso no México!

Há uns meses, através de um contacto em comum, descobri um jovem empreendedor mexicano. Sem planos nada concretos, começámos a falar. A certa altura, de forma bem natural, fomos transformando em realidade o desejo de fazermos algo em conjunto. E, dessa forma aparentemente tão simples, surgiu o plano de um primeiro curso da Bwizer por estas terras. O curso será com um dos fisioterapeutas da equipa de futebol do Real Madrid e é já um êxito! E isso enche-me de satisfação. Daquela satisfação que talvez só um empreendedor pode entender. A satisfação de ver concretizado algo que numa certa altura só existiu na minha mente e, ainda por cima, com impacto marcante na vida destas pessoas.

É uma sensação viciante, de um vício que nem sinto diminuir em mim, nem que quero perder.

Faço estas reflexões à mesa de uma “cantina” local, música mexicana como pano de fundo. Estou sozinho. E estou a desfrutar do momento, depois de um dia intenso de trabalho com o jovem Guillermo, ultimando todos os detalhes do curso, e de uma conferência que o antecede.

Gosto de pessoas com fome de fazer coisas. O Guillermo é uma delas. Vim ao México testemunhar um evento Bwizer mas, sobretudo, conhecer ao vivo as pessoas que, até agora, estavam do outro lado do email e do telefone. Estou a meio da minha estadia e já podia partir satisfeito. Porque já iria mais rico.

Viajar é extraordinário. Conhecemos pessoas novas. Algumas, inspiradoras. Conhecemos novos lugares. Mas, sobretudo, conhecemo-nos melhor a nós próprios. E os momentos em que estamos sós, como este, são excelentes para reflexão. Por que razão faço tudo isto? Quais são os custos destas escolhas?

E, se a ambição de tornar real a visão que tenho para a Bwizer me ajuda a estar muito focado, mesmo deste lado do Atlântico, tenho total noção que isto vem com um custo. Às vezes, com um custo elevado.

Imensas vezes viajo e pouco mais vejo que o hotel e o local onde estiver a trabalhar. Muitas vezes, passo muito tempo sozinho. Quase sempre, do ponto de vista financeiro, o esforço é elevado. Umas vezes divirto-me, outras nem tanto. Raras vezes me queixo.

São os custos de um projecto definido, planeado e em execução.

E, desta vez, o custo é claramente alto: perdi o nascimento do primeiro filho de um grande amigo. De um dos meus melhores amigos. O abraço ao pai e à mãe, e o beijo temeroso no pequeno rebento vão ter que ficar um pouco para mais tarde. Sê bem-vivido pequeno Francisco Duarte!  Se um dia estiveres longe dos teus amigos num momento especial para eles, como eu estou quando pela primeira vez tu viste a luz do mundo, sabe que os sacrifícios que porventura possas estar a suportar fazem muito mais sentido por teres bons amigos.

Despeço-me com um até já e até sempre, desejando-te apenas uma coisa: que um dia possas ter um amigo como o teu pai é meu amigo. Serás um homem rico.

Varredor de ruas

Há já largos meses me tinha chamado a atenção a forma de trabalhar do varredor da zona onde moro.

Muito cedo, pouco depois das 7 da manhã, era frequente vê-lo já a trabalhar. À tarde, lá estava ele, noutra rua. No inverno, com chuva e frio. No verão, com sol e calor. E sempre, sempre, com a mesma energia. A mesma frenética dedicação. Dei comigo admirando o profissionalismo daquele jovem indivíduo.

Decidi que um dia que nos cruzássemos a pé, lhe diria que tinha reparado no seu trabalho e que o admirava.

Os meses foram passando e, quando passava por ele, ia de carro. Ainda pensei em parar algumas vezes mas nunca o fiz. Acho que, arrogantemente, não queria correr o risco de ficar desiludido. Afinal, não o conhecia de lado nenhum.

Mas, hoje, à hora de almoço, ao estacionar em frente a casa, carro com A/C no frio máximo, eis que o vejo do outro lado da rua.

Fui ter com ele. Suava em bica. O calor era infernal.

Cumprimentei-o e começámos a falar. Perguntei-lhe a que horas começava a trabalhar, à guisa de ice-breaker, e disse-lhe que admirava o seu trabalho porque, estivesse frio ou calor, chovesse ou fizesse Sol, o via sempre com o mesmo empenho e dedicação quando, em bom rigor, se trabalhasse com menos ritmo, certamente ninguém se preocuparia em demasia.

Com o elogio devolveu-me um sorriso e resumiu toda a razão da sua dedicação com um singelo: “É preciso ter gosto no que se faz”.

Falámos um pouco mais e ele, orgulhoso, disse-me que não era a primeira pessoa que o elogiava, que lhe tinham dito algumas vezes que nunca as ruas tinham estado tão limpas – o que confirmo – e que ele o fazia assim porque era “perfeccionista”; que gostava de fazer as coisas bem feitas.

Explicou-me o seu conceito de brio apontando para uns enormes eucaliptos a 30 m de distância, dizendo que naquela zona, o fim de uma rua sem saída, sempre cheio de folhas, chegava a apanhar folha a folha do chão, para tudo ficar perfeito.

Dei-lhe uma vez mais os parabéns pelo bom trabalho, cumprimentei-o e entrei em casa.

Entrei em casa e continuava a pensar no varredor e decidi que o seu brio devia ser celebrado. Pensei que merecia uma entrada neste blog – a minha homenagem singela – e voltei a sair de casa.

Estava precisamente ao lado dos tais eucaliptos, metido no seu trabalho como sempre.

Ficou meio surpreendido quando me voltou a ver, e mais supreendido ficou quando lhe disse que achava o seu exemplo tão relevante – a maioria das pessoas no seu lugar, com o seu ordenado e com a dureza da tarefa, certamente se contentaria em fazer um trabalho menor – que o queria relatar no meu blog. Sorriu de novo. Perguntei-lhe se podíamos tirar uma foto e simpaticamente autorizou.

Marco - Varredor de Ruas

Continuámos a falar. Tem 28 anos – parece mais velho, que o Sol e o frio não perdoam – trabalha como varredor há 8. Veio destacado de outra zona porque mais nenhum colega estava a conseguir varrer todas aquelas ruas no tempo definido. Como a tarefa estava a ser impossível, o chefe desafiou-o a ele. E ele, deu conta do recado!

Perguntei-lhe se já tinha sido premiado por isso. “Pagar mais não pagam. Mas dão-me uns serviços extra. E isso dá-me mais um dinheiro importante no fim do mês.” E quando entrou na empresa, rapidamente passou aos quadros – nem sequer fez todo o trajecto que os outros fazem – porque gostaram logo do seu trabalho.

Disse-me ainda que antes de começar naquele trabalho já tinha passado por várias “artes” e que fazia qualquer coisa que precisasse de ser feita. E ele até tinha formação em informática mas, curiosamente, nunca tinha trabalhado naquela área.

Se queria mudar? Não, para já estava bem. Eram certos a pagar, estava efectivo e gostava do que fazia. E no final do mês, com todos os extra, já ganhava um ordenado simpático – o número final surpreendeu-me pela positiva.

Disse-me tudo isto sempre com um sorriso. E agora, enquanto escrevo estas linhas, sentado a uma secretária, ar condicionado ligado, garrafa de água ao lado, lembro-me das palavras sábias do varredor: “É preciso ter gosto no que se faz.”

Do que consigo ver – o resultado do seu trabalho – não duvido que é um excelente profissional. Um profissional que vai para além daquilo que são os mínimos. E que, indiscutivelmente, coloca paixão no que faz.

O varredor chama-se Marco. Amanhã estará certamente no seu posto de trabalho às 7 horas da manhã com vontade de deixar o seu rasto, limpando o rasto de outros. O Marco é varredor e, hoje, deu-me uma lição.

PS. Junto esta informação 40.000 visualizações depois! Muitas pessoas têm perguntado onde trabalha o Marco Monteiro. Trabalha na zona de Leça do Balio (Santana), através da empresa VerdeVista.