Seria possível escrever a “melhor tese de doutoramento do mundo” sem emigrar?

Ora aqui vai um post que vai contra o pensamento reinante.

O discurso mais consensual parece ser o de criticar o país, desde logo os políticos, por “não darem condições” a todos os portugueses cá pela velha pátria, “forçando” uma série deles a partir. Tudo isto, sistematicamente, com tom azedo e que encerra uma perspectiva de um país fracassado. É a velha falta de oportunidades, naturalmente vítima da falta de estruturas, de investimento, de vontade! No fundo, tudo consequência de meras opções políticas…

Tirando quem tenha motivações políticas, o que é legítimo ter, custa-me entender este discurso, pelo menos na forma como tipicamente aparece colocado: as pessoas não querem emigrar/ as pessoas têm que emigrar para sobreviver-prosperar/ as pessoas partem invariavelmente destroçadas/ o país devia ter vergonha de ser um país assim/ a culpa é dos políticos, que não “dão oportunidades” a todos/ ainda por cima, muitas vezes, o emigrante é alguém “muito qualificado”.

Emigrar

Neste momento, um português está a ser notícia por ter recebido o Heizer Best Dissertation Award da Entrepreneurship Division da Academy of Management, “considerado o prémio mundial mais importante na área de empreendedorismo”. Este português é o Sérgio Costa e é um amigo. E está, naturalmente, de parabéns.

Como é um amigo, fui seguindo uma série de links que noticiavam o facto. Nestas coisas, é sempre curioso dar uma espreitadela nos comentários que agora, livremente, cada um pode deixar em cada notícia. E se, tipicamente, os comentários são positivos, de felicitação e de satisfação por este reconhecimento de um compatriota, lá vem sempre, aqui e ali, um comentário que toca na emigração e no facto de “muito provavelmente, aqui estar um candidato a emigrar, porque este país, seguramente não lhe vai dar condições de trabalho”.

A vontade de escrever este texto surgiu precisamente por ver esses comentários. Não creio que façam sentido e digo porquê.

No caso concreto do Sérgio Costa, aquilo que as pessoas que fazem os comentários diabolizando a emigração não saberão é que o doutoramento do Sérgio Costa e, portanto, a sua tese, foram obtidos numa universidade escocesa. Portanto, o Sérgio Costa, para obter este reconhecimento, esteve fora do país!

E, qual é o problema disto?! Será que é legítimo achar que cada universidade portuguesa, maior ou mais pequena, consegue oferecer condições de investigação que permitam atingir excelência a todos que lá colaboram? Não se pensará que a excelência tem um efeito centrípeto, atraindo mais recursos, mais cérebros, mais visibilidade e assim, permitindo potenciar a espiral de crescimento?

E não é lógico pensar que quem tem mais ambição quer estar em ambientes mais competitivos? E, aliás, se é ambicioso, se quer algo maior para a sua vida, não se trata de querer estar em ambientes mais competitivos e com maior competência, trata-se de TER que estar.

Há, portanto, uma certa ingenuidade quando se fala da emigração de muitas pessoas. Porque, ainda que também elas tenham que sacrificar algo ao saírem do país, elas buscam melhorar a sua vida e isso é motivação mais natural e legítima de um ser humano.

Mas não pensemos que isto se aplica só a pessoas altamente qualificadas. Recentemente liguei a um familiar e, para minha surpresa, estava na Holanda. A trabalhar! Tinha sido contratado por uma empresa com sede na Bélgica (ou seria Luxemburgo?) que depois presta serviços a países ali à volta. Esta pessoa tem baixas qualificações mas em Portugal estava a trabalhar e não estava sequer em risco de desemprego. Mas então, porque emigrou? A resposta é simples: quer melhorar a sua vida. E quer fazê-lo a um ritmo mais rápido do que o conseguiria fazer em Portugal.

E isso é mau? Isso é sinal de um país que maltrata os seus? Não creio! É sinal de gente que quer o melhor para si e o procura. E isso é de louvar.

Está claro que há situações dramáticas, de pessoas que, apesar de todo o esforço, não conseguem arranjar meio de subsistir em Portugal, restando-lhe sair do país e encontrar um meio de subsistência lá fora. Não nego que haja situações muito duras. Só não creio que a avaliação que tipicamente é feita da emigração e da culpa dos políticos e da “vergonha de país” tenha muito a ver com isto.

Sou o primeiro a achar que a forma como a nossa sociedade está organizada e, por arrasto, a forma como o poder político se expressa, são culpados, pelo menos em parte, pelo nosso atavismo cultural e económico contudo, não tenho qualquer pretensão de achar que o papel dos políticos é o de “dar” oportunidades a todas as pessoas, independentemente das opções, livres, que cada um foi fazendo.

Se sou médico dentista em Portugal, entro no meu curso já a saber que o mercado está bastante saturado e, ainda assim, tomo essa decisão – legítima – e no fim tenho dificuldade de emprego, pelo menos “emprego tradicional”, por que razão não há-de ser a emigração uma opção legítima, positiva e nada indicadora de qualquer falhanço pessoal ou da sociedade portuguesa?

Já antecipo as críticas: Portugal “devia” criar oportunidades para segurar todas estas pessoas. Mas, como? Com investimento público, imagina-se. Esquecendo-se porventura que investimento público pressupõe impostos para o financiar. E será que criar emprego para mais investigadores, enfermeiros, dentistas ou seja o que for, é a melhor alocação desses recursos?

Esta conversa sobre a necessidade de investir mais para “segurar”as pessoas é a mesma conversa que há sobre o investimento no interior do país vs o litoral. “Há que investir no interior, dando condições aos jovens para se manterem na terra que os viu nascer”. Não será no mínimo ingénuo pensar que as coisas funcionam assim?

Se quero trabalhar numa empresa grande, será que posso genuinamente pensar que o vou fazer sem sair de Beja ou de Bragança? Se quero evoluir como actor de teatro, posso fazê-lo a níveis elevados sem ir para Lisboa ou Londres? Se quero ganhar títulos internacionais como jogador de futebol e uma grande visibilidade mediática, onde estarei melhor, em Portugal ou em Espanha ou Inglaterra? Obviamente, poderia dar exemplos sem fim, ilustrando a ideia de que mudar para um mercado mais rico é, apenas, uma decisão lógica e nada tem de mal. E que, goste-se ou não, não é algo que se poda mudar por meras decisões governamentais, por mais que muitos fantasiem com o contrário.

Mas quererá isto dizer que os zonas periféricas como é Portugal quando comparado com o centro da Europa ou como é o interior português quando comparado com Porto e, sobretudo, Lisboa, não têm hipótese de sobreviver? Claro que não. Têm é que se centrar naquilo que as diferencia, em vez de procurarem (e se iludirem com a ideia) de ser cópias baratas e pindéricas das zonas maiores e mais ricas.

Lisboa nunca será um centro financeiro capaz de competir com Londres contudo, tem singularidades que lhe podem permitir atrair gente competente, mesmo a nível internacional, em vários domínios. O Porto nunca será Veneza mas a sua genuinidade e esforços concertados, tem feito do turismo um êxito extraordinário. E se o Alentejo não tem a densidade populacional de Lisboa, tem algo que será cada vez mais importante à medida que nos tornamos num mundo cada vez mais urbano. Tem espaço e ar fresco para respirar, um bem escasso que será cada vez mais valorizado.

Oportunidades para indivíduos e instituições não faltam, haja a capacidade de acrescentar valor sustentadamente agora, pensar-se que podemos replicar aquilo que de melhor se faz em cada área, em Portugal, isso é ingénuo e não leva a lado nenhum.

Não ficamos contentes por Portugal ser o destino preferido dos idosos franceses para viverem? também eles são emigrantes dos seus países, curiosamente…

Quer-se que os políticos façam alguma coisa bem feita? Pois bem, podem começar por simplificar a burocracia ligada ao turismo de saúde, por exemplo. Podem potenciar a concorrência, eliminando bolhas de proteccionismo.

Seria possível escrever a melhor tese de doutoramento do mundo sem emigrar? O Sérgio Costa teria, no Porto, no Algarve ou em Glasgow, a mesma massa cinzenta, isso está claro. Mas, provavelmente, na ausência de todo aquele contexto, o resultado final não poderia ser tão brilhante.

Eu nunca emigrei. Faço algumas incursões profissionais pelo estrangeiro mas não mais. Talvez seja isso que me esteja a faltar, para um novo salto em frente. Não sei se o farei algum dia, se o considerarei uma decisão adequada no meu contexto pessoal contudo, se o fizer algum dia, não o farei zangado com o país (talvez sim com a sua carga fiscal e a sua legislação asfixiante). Mas se tiver a certeza que emigrar é uma boa opção para mim e, ainda assim, não me mexer, bem posso ficar zangado com uma pessoa. E essa pessoa, serei eu.

Minimizar risco ou potenciar retorno?

O adágio popular é claro, “quem não arrisca, não petisca”, e traduz a forma como são as coisas: quem não assume qualquer risco, não pode esperar qualquer retorno, muito menos retornos acima da média.

Se isto me parece indiscutível, pode já haver mais dúvidas sobre aquilo que deve ser a postura de um investidor, seja “mero” investidor financeiro, seja um empreendedor: maximizar o retorno potencial, assumindo riscos superiores ou, antes de mais, garantir que não perde, gerindo assim o seu risco?

Perfis diferentes de risco levarão a posturas diferentes, naturalmente. Todavia, e apesar de isto ser verdade, penso que um qualquer investidor que tenha uma visão de longo prazo, privilegiará sempre a gestão do risco, assegurando que, antes de ganhar, não perde. Está claro que, idealmente, se deve fazer uma gestão de risco tal que, minimizando as perdas, potencie de forma assimétrica os ganhos contudo, insisto, mais do que maximizar ganhos extraordinários, a primeira preocupação de um investidor deverá ser a de minimizar o risco de perdas.

Resolvi partilhar estas considerações depois de ver um vídeo em que caçadores Masai roubam carne a um grupo de leões. E tudo isto sem qualquer confronto, fazendo uso de uma atitude decidida e de uma execução rápida e sem falhas.

Por que razão se afastam os leões? Por instinto de sobrevivência, minimizando as perdas potenciais, a vida, ainda que à custa da recompensa da sua caçada, o alimento.

Poderá pensar-se que os Masai optam por uma estratégia completamente oposta, maximizando o risco. Não é verdade. E não é verdade, desde logo porque se trata de uma prática ancestral e que cada um daqueles homens seguramente já levou a cabo várias vezes. Eles sabem, com suficiente probabilidade, qual será a reacção dos leões à sua aproximação, e saberão também qual o tempo que têm até os leões se aperceberem que o perigo afinal não existe e que podem facilmente reclamar o seu alimento.

É bem provável que este conhecimento se tenha acumulado à custa de algumas vidas Masai mas, já diz o povo, “quem não arrisca, não petisca”!

Mudei de vida

mudar de vida

Já alguma vez sentiu que aquilo que estava a fazer não o preenchia verdadeiramente? Já passou pela experiência de olhar para o futuro e aquilo que vê não é o que realmente quer? Já acordou sem vontade de trabalhar, sentindo-se angustiado ainda antes de sair da cama?

Eu já! E por isso decidi mudar de vida.

Por um conjunto de razões que hoje não cabem aqui, tirei o curso de fisioterapia. Convém dizer que foi a minha primeira escolha. Gostei do curso e tive uma performance académica bastante boa. Aliás, fui o melhor aluno da minha turma e recebi até um prémio que, curiosamente, acabei por nunca reclamar.

Comecei a trabalhar como fisioterapeuta aos 20 anos. Era muito novo. Dois fenómenos ajudaram a esse facto. O primeiro, é que como tinha iniciado a então escola primária com 5 anos e não 6, estive sempre um ano adiantado. O segundo, é que na altura era-se Fisioterapeuta, apto a trabalhar, ao fim de 3 anos de curso. O 4º ano fi-lo já a trabalhar, em regime pós-laboral.

Pois bem, lembro-me que um dia, no final da jornada de trabalho parei, reflecti no dia que terminava, nos anteriores, nos futuros, e senti angústia. A realidade revelou-se-me de forma clara e dura: não queria fazer aquilo o resto da minha vida. Aliás, não estava seguro que o quisesse fazer muito mais tempo! Penso que isto sucedeu pouco depois do primeiro mês de trabalho… Convém também referir que para 20 anos e recém-formado, o vencimento que auferia era bastante simpático, sobretudo quando visto à distância dos anos.

As semanas passaram e tive que mudar de emprego porque onde estava não era compatível com o 4º ano do curso, que estava prestes a iniciar. O 2º local onde trabalhei foi a machadada final. Detestei realmente trabalhar lá. E aí, por vezes, acordava sem vontade de trabalhar, frustradíssimo. Apesar disso, nunca faltei. E não duvido que fiz um trabalho sério e profissional. Mas, sem prazer.

O mundo é dinâmico – felizmente – e isso abriu-me a possibilidade de mudar de novo de emprego. Desta feita, trabalhava num gabinete de fisioterapia de referência da cidade do Porto e isso aplacou um pouco o meu desejo de mudança de vida. Aplacou mas não o eliminou. Definitivamente, apesar de gostar muito da fisioterapia – ainda hoje gosto – ser Fisioterapeuta “clínico” não era o meu caminho.

E quanto mais o tempo passava, mais isso ficava claro. Fui dando ouvidos à minha voz interna e ficou claro que o que me apaixonava e punha a sonhar era o mundo dos negócios. Apercebi-me, inclusivamente, que era algo que já me acompanhava desde adolescente mas ao qual nunca tinha dado ouvidos de forma estruturada. Todavia, com 21, talvez 22 anos, não sentia que fosse o momento certo para montar um negócio. Pensava que ainda não sabia o suficiente para dar esse passo.

Foi então que decidi fazer um MBA. Decidi, candidatei-me e entrei. E assim, mudei de vida. Despedi-me do local onde trabalhava e entrei na então Escola de gestão do Porto, hoje Porto Business School. Creio que a primeira aula foi a 28 de Julho de 2003. Tinha 22 anos. Era muito novo (demasiado, porventura) e, tanto quanto sei, o primeiro Fisioterapeuta a fazer um MBA em full-time.

O MBA entretanto foi-se aproximando-se do fim e não fazia a mínima ideia do que fazer a seguir. Estava a adorar aprender gestão e ter aquele contacto com empresas e pessoas ligados ao mundo dos negócios e, portanto, queria continuar a aprender. Mas, será que iria conseguir trabalhar em alguma empresa? Para todos os efeitos, era apenas um mero Fisioterapeuta com um MBA, 23 anos e sem experiência em gestão.

Mas então, a minha vida mudou de novo! Tinha entrado num processo de recrutamento para a Optimus e acabei por ser seleccionado. E assim, no dia 2 de Agosto de 2004 (já lá vão 11 anos!), a minha vida girava mais uns graus.

É muito justo reconhecer a abertura de espírito das pessoas que estiveram envolvidas nesse processo de recrutamento, uma vez que contratar um perfil tão diferente do óbvio envolve sempre mais riscos. Essas pessoas foram o Hugo Macedo, colega de MBA que apontou a existência do processo de recrutamento e que depois foi o meu primeiro chefe, o Miguel Tolentino, então nos Recursos Humanos, o Renato Ribeiro, que foi meu chefe directo quase todo o tempo que lá estive – alguém que me ensinou muito, talvez mais do que ele possa suspeitar, e o Manuel Ramalho Eanes, então director da unidade de negócios onde fui trabalhar, alguém com uma inteligência superior e um líder com grande autoridade.

Tive dois anos de uma aprendizagem incrível e de genuíno prazer no trabalho desenvolvido. Foi uma escola muito importante para mim. Uma escola com coisas boas e coisas más mas, indiscutivelmente, marcante. Entretanto, sentia renascer em mim o desejo de lançar a minha própria empresa. Mais do que uma coisa racionalizada, era um ímpeto visceral. Não queria passar a minha carreira inserido num sistema que não tinha qualquer possibilidade de influenciar a um nível realmente impactante. A certa altura comuniquei o meu desejo de sair da Optimus, concretizando-se a saída em Dezembro de 2006.

Mudei novamente de vida: despedi-me, deixando um emprego “seguro” e saltando para uma situação sem qualquer remuneração garantida. Sabia que o risco era elevado. Mas sabia também que, em bom rigor, talvez nunca fosse tão baixo. Tinha 25 anos e toda uma vida pela frente. E havia algo não me deixou vacilar: tinha jurado para mim mesmo que não voltaria estar em nenhum lugar onde durante demasiados dias seguidos sentisse falta de energia ao acordar…

Mudei de vida nesse Dezembro. Sou empresário desde essa altura. É tudo fácil? Nada disso! Arrependo-me? Nem por um segundo me arrependi, mesmo nos momentos mais difíceis que já vivi. É que há outra coisa que naquele dia 28 de Julho de 2003 disse para mim próprio no fim da primeira aula daquele terrível período de homogeneização do MBA (umas semanas de aulas intensivas para quem não tem um background de gestão/ economia ou, pelo menos, um claro background quantitativo), uma aulas em que fiquei bastante apreensivo – para ser eufemístico – com a minha capacidade de chegar ao fim do MBA. E o que disse, e que ainda hoje repito para mim próprio em algumas circunstâncias foi “prefiro o risco de não atingir o que me proponho, do que o risco de arrependimento por não ter tentado”.

Um abraço do,

Hugo Belchior