Casillas, a ingratidão e o valor acrescentado

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Ao ver a despedida do Iker Casillas, sozinho em frente aos jornalistas, voz embargada, dei comigo a pensar na gratidão.

Ainda que aquilo que escreveu (e depois leu) seja totalmente verdade – não há razão para duvidar – e que tenha aprendido com cada um dos seus treinadores e que, na hora da despedida, agradeça mil vezes, sobretudo aos madrilistas, assim denotando uma racional gratidão, não se terá ele sentido injustiçado e vítima de ingratidão nos últimos tempos, com as assobiadelas no Bernabéu, a perda de algum estatuto que começou com Mourinho, terminando numa saída que, parece claro, não queria?

No lugar dele – ele que tantas alegrias deu a milhões de aficionados madrilistas – quem de nós não se sentiria vítima de ingratidão? Eu, desde logo! E, provavelmente, estaria errado.

A gratidão é um sentimento nobre. E está inculcado na nossa cultura de forma marcada. Por essa razão, a percepção da sua ausência fere tanto, com aquela dor que o sentimento de injustiça sempre potencia.

Acontece que, pelo menos nos negócios – e, num clube profissional, um guarda-redes, pago a peso de ouro, é um activo desportivo – a gratidão, pura e simplesmente, talvez não faça sentido. Pelo menos como moeda de troca comercial.

Então, se a gratidão não pode ser a moeda de troca, qual deverá ser? Simples: o valor acrescentado. O Real Madrid não foi ingrato ao “dispensar” o Casillas; o Casillas é que já não acrescentará o mesmo valor. A dor, no fundo, mais do que a dor da ingratidão, imagino que seja a dor da consciência do auge que passou e que se sabe que nunca mais voltará. A dor de uma nova realidade. Com menos estatuto e, provavelmente, com menos títulos e menos glória. Reconheçamos que não é fácil.

O melhor mesmo, por mais duro que o processo possa ser, é procurar outros contextos onde, aquilo que se acrescenta continue a fazer a diferença, e possa ser valorizado de forma satisfatória. E o Casillas, esse, não deixará nunca de ter o mérito de ter ganhado o que ganhou e de ser um atleta de elite, um verdadeiro génio. Apenas tem que digerir a realidade da passagem do tempo.

Do meu lado, e apesar de (pouco fervoroso) benfiquista, reconheço a magistral jogada de marketing de Pinto da Costa e fico feliz pelo meu Porto (cidade), ficar ainda mais no mapa dos nuestros hermanos inclusive, aposto, da bela Sara Carbonero. A Avenida da Boavista não será a Castellana mas o Manzanares não se compara ao imortal Douro. Vem, Sara, aqui podes ser feliz!

A Oliveira (parabéns avó)

A minha avó paterna, a Avó Emília, faria hoje 103 anos. Em sua memória deixo este texto aqui. Um texto que escrevi há 10 anos.

Oliveira

Sentado numa pedra fito uma oliveira e penso há quanto ali estará. Certamente alguns séculos dizem-me. Mas não quero saber os seus anos. A nossa contabilização não se aplica a uma oliveira.

Penso noutra métrica. Quantas gerações terão trabalhado para que aquela oliveira, ano após ano, continue a fornecer o seu fruto? Levanto-me e toco na oliveira. Sempre que visito um monumento histórico gosto de tocar nas suas paredes. Imagino sempre quantas mãos já lá terão tocado, que vidas transportariam essas mãos e que pensamentos preencheriam essas vidas. Repito o gesto na oliveira. É um monumento. Um monumento ao estoicismo.

O que terá movido os homens que ao longo dos tempos têm servido aquela oliveira, na expectativa insegura do seu retorno?

Penso de novo no suor dos que ali terão trabalhado. Penso nas vidas de todos que, como eu, já tocaram naquele ramo grosso e imponente. Penso nas alegrias que esta oliveira lhes terá dado e nas tristezas que certamente também trouxe.

Quem terá sido o criador daquele ícone? Terá ele alguma vez pensado que um dia alguém tocaria num dos ramos, pensando nas vidas passadas sob a sua oliveira?

Arrogantemente penso no poema de Cesário Verde. Aquele em que o poeta revela o seu desejo paradoxal de viver a simplicidade da vida da camponesa e, simultaneamente, ter a consciência dessa simplicidade. Penso nisto arrogantemente, porque admito que as mãos que comigo terão partilhado o toque daquele ramo terão pensado de forma bem mais simples. Quantos quilos dará esta oliveira? Será o azeite de boa qualidade?

Na minha arrogância quase não vejo que foram essas mãos grossas e calejadas que contribuíram para as minhas mãos citadinas e para a minha abstracção improdutiva. Quase não vejo que sob aqueles ramos e sobre aquela terra que pisada solta um ruído incrivelmente sedutor, passou o esforço estóico de muitos dos meus. O estoicismo de alguém que, eventualmente, mesmo sem conseguir filosofar sobre as suas acções, sentia a força de uma necessidade superior de continuar, ano após ano, lavrando, adubando e amando a oliveira. A força da razão mais pura está ali. A necessidade de o homem vencer e de o homem se vencer. Nunca saberia o pai da oliveira que séculos depois alguém pensaria na oliveira como um símbolo do esforço estóico de gerações de homens. O que sei é que aquele pai sabia que tinha que plantar aquela oliveira, cuidá-la e amá-la para que o seu fruto fosse alimentando os sonhos crescentes dos seus filhos e netos por nascer.

Parabéns, avó.

O emprego mudou. Uns adaptam-se, outros não.

O mundo mudou. A revolução digital é incontornável e encerra enormes desafios. Às economias e, claro, a cada trabalhador.

O modelo de trabalho para o qual grande parte de nós foi preparado – e os nossos pais, mais ainda – é um mundo em extinção. Podemos vociferar contra os impactos destas mudanças, sabendo que isso as controlará tanto como parar o vento com as mãos, ou podemos procurar entender o que se passa e percorrer um caminho de adaptação à realidade. E, ajudar os outros a percorrê-lo.

Cada revolução faz as suas vítimas, não vale a pena iludirmo-nos. Não temos é que ser nós essas vítimas. Pelo contrário! Se é verdade que esta revolução traz muitas ameaças, encerra também imensas oportunidades.

E estão aí, para serem exploradas!

Para ilustrar algumas destas ideias de forma bem mais eloquente do que eu consigo fazer, convido a investir pouco mais de 8 minutos para ver o Seth Godin a deixar tudo mais claro. E o vídeo já nem é novo e, portanto, se só hoje estiver a tomar contacto com este tema, lamento mas já está um pouco atrasado. Mas, calma, ainda nada está perdido!

Falhei?

Sinemys

Em 2011 lancei uma empresa. A minha 3ª empresa. A Sinemys. Era uma empresa que ambicionava dar passos lentos mas sólidos e, por isso, o nome de uma espécie extinta de tartaruga parecia fazer todo o sentido.

A vontade de montar esta empresa tinha surgido pelo facto de eu e o Luís Ramalho sentirmos que tínhamos competências complementares. Tínhamo-nos conhecido algum tempo antes no âmbito de trabalho conjunto na Bwizer – eu era cliente do Luís através do projecto Fisiozone – e, paulatinamente, fomos desenvolvendo uma relação de respeito mútuo.

Nas conversas que fomos tendo, mesmo antes de idealizarmos uma empresa em comum, percebemos que tínhamos ambos espírito empreendedor – o Luís dedicava-se a projectos online salvo erro desde 2004 e eu, tinha já duas empresas, a Bwizer e a Belpac.

Quando duas pessoas empreendedoras se juntam, nunca se sabe o que pode dali surgir mas é bem possível que algo surja! E assim foi: decidimos criar a Sinemys e ao projecto juntou-se o Manuel Paquete.

A ideia original centrava-se no desenvolvimento de projectos de comércio online. E assim, em 2011, mais uma empresa via a luz do dia!

Faço um bypass ao processo da Sinemys e salto para o desfecho: a meio de 2014 encerrávamos a empresa, com perdas de alguns milhares de euros.

Apesar de ser a terceira empresa que criava, hoje reconheço que demasiadas coisas deixavam antever este fim. Partilho as que me parecem mais relevantes:

1) sem um motor, nenhuma empresa anda, muito menos uma start-up: quando iniciámos a empresa o Luís estava na Escócia, em St Andrews, a estudar computer science. Por mais boa vontade que tivesse, não tinha o tempo suficiente para o projecto. Já eu, geria duas empresas e não podia dedicar-lhes menos tempo.

2) por mais forte que seja o motor, tem limitações: eu era o motor em duas empresas, duas empresas ainda juniores e bastante dependentes de mim. Repetir esse papel numa terceira, ao mesmo tempo, pura e simplesmente não foi possível.

3) as expectativas sobre o papel de cada sócio têm que ser claras: eu assumi um determinado para o Luís e o Luís assumiu outro para mim. O azar é que as expectativas de cada um não eram propriamente congruentes…

4) a ideia de negócio tem que ser sólida: sendo verdade que um produto não tem que estar totalmente pronto antes de ser colocado no mercado – veja-se a este propósito os insights de Eric Ries em “The Lean Startup” – tem contudo que haver uma ideia de negócio robusta e que guie as acções diárias. Ora, na Sinemys, flutuámos imensas vezes sobre qual deveria ser o papel da empresa e, de uma ideia inicial na área do comércio electrónico, acabámos no desenvolvimento web com uma paixão especial por Ruby on Rails. Pelo meio, passámos por várias outras estações! Está bem de ver que esta volatilidade estratégica é contra qualquer regra de bom senso.

5) if you have to fail, fail fast: bem antes do fim formal da empresa, o seu destino estava traçado. Tivéssemos sido mais pragmáticos na análise e na decisão, mais depressa teríamos resolvido o problema e menos tempo e menos dinheiro teríamos gasto.

6) não financie empresas que não funcionam (por mais bonito que seja o logo!): a Sinemys foi beneficiando de viver no ecossistema da Bwizer e da Belpac. Isso permitiu retirar-lhe alguma pressão financeira o que, no caso de se tratar de uma empresa com rentabilidade, teria sido óptimo. O problema é que não era. E o benefício de existir num ecossistema que não implica custos ou, pelo menos, custos elevados, leva a procrastinar na tomada das decisões que têm que ser tomadas.

Poderia continuar esta lista mas creio já ilustrar bem a magnitude e quantidade de erros cometidos.

Porém, todo este projecto, incluindo o encerramento da empresa, teve uma série de virtudes:

1) Fiquei muitíssimo mais desperto para a importância da tecnologia na dinâmica de qualquer negócio e isso levou a mudanças significativas na Bwizer.

2) Obrigou-me a estudar outros modelos de negócio, reforçando a minha agilidade mental para “pensar em negócio”.

3) Reforçou a minha percepção de valor do papel das redes sociais na estratégia comercial das empresas.

4) Levou ao reforço da estrutura societária da Belpac e da Bwizer, com a entrada de mais um sócio, o José Vidrago, com impactos muitíssimo positivos no funcionamento das empresas fruto da sua experiência e do seu conhecimento. O Vidrago acabou por se juntar porque, num primeiro momento, se colocou a hipótese de se juntar à Sinemys, uma hipótese que não se concretizou.

5) Já sei como se fecha uma empresa!

6) Introduziu-me a um novo negócio, assente em domínios.pt genéricos. Com a liberalização dos domínios.pt a 1 de Maio de 2012, a Sinemys decidiu investir no registo de uma série de domínios. Eu repeti o exercício a nível pessoal e o mesmo fez a Bwizer. A Bwizer, aliás, deve hoje ser a empresa com o mais valioso portfolio de domínios.pt na área da saúde, destacando-se grande parte das especialidades médicas e de medicina dentária. Eu, entretanto, já vendi alguns domínios e, muito provavelmente, já recuperei as perdas que a Sinemys me tinha trazido!

A Sinemys falhou. E eu, terei falhado também?

O que sei é que não me arrependo nada deste projecto. Sou, graças a ele, um empreendedor mais capaz. Às vezes flagelamo-nos excessivamente com os fracassos, esquecendo-nos de ver que um sucesso pode estar a despontar.

Envio um abraço a todos aqueles que já lançaram um projecto que não correu tão bem como previam!

Hugo Belchior

PS. Se desse lado alguém quiser partilhar uma história de um empreendimento mal sucedido mas com resultados secundários positivos, tenho muita curiosidade em o conhecer.

Os foguetes não são a festa toda

No dia 8 de Junho escrevi um artigo sobre um varredor. Dei-lhe o nome “Varredor de ruas“.

Foi um artigo que escrevi em 20 minutos, sem grande preparação. Apenas passei para texto a reflexão que tinha articulado durante aquela tarde. Para surpresa minha, o artigo ganhou viralidade e, muito rapidamente, chegou a milhares de pessoas. Houve largas dezenas a deixarem o seu comentário e a entrarem com contacto comigo por canais diferentes.

Acabo de ver as estatísticas e o artigo já ultrapassou as 100.000 visualizações.

Estatísticas 100k

Naturalmente que um resultado destes é recompensador. Afinal, é sinal que aquilo que escrevi tocou muita gente.

E creio que o segredo foi a genuinidade do relato e o apelo que fazia a uma perspectiva de reconhecimento e valorização do outro, mesmo daqueles a quem muitas vezes se presta menos atenção.

Mas, aquilo que aqui me importa hoje trazer é uma reflexão sobre os hypes, os fogachos, os foguetes. Sejamos claros: para alguém que tem uma perspectiva de longo prazo da sua carreira e da sua presença online, um hype, só por si, vale pouco. O que interessa é a capacidade de trazer conteúdo relevante, post atrás de post.

O exercício não é fácil e representa um enorme desafio a todos aqueles, bloggers e empresas, que pretendam ter uma existência online. Contudo, quem pretender ter uma vida longa, não tem alternativa a esse exercício permanente.

Numa altura em que a falta de paciência é reinante e a maioria fantasia com o sucesso fácil de reality-show, é bom pensar que 100.000 visualizações é um belo número mas, muito mais importante que um foguete matutino que anuncia a festa, é manter a festa sempre, a um grande ritmo.

Este artigo seguramente não despertará o interesse de 100.000 pessoas. Talvez nem de 100. Mas, tenho sempre a hipótese de tentar de novo, noutro dia qualquer.

Vemo-nos por aí!