Chegadas e partidas

Estou no México. E não, não estou a banhos. O México é bem mais que Acapulco ou Cancún – que nem conheço.

Detalhe mural Diego Rivera

Depois de pouco mais de um dia na Cidade do México, cidade que me impactou pelo ambiente fervilhante do seu centro histórico, vim para Querétaro. E vim trabalhar.

Nesta sexta-feira e Sábado vai decorrer, nesta surpreendentemente bonita cidade, um curso da Bwizer, empresa que co-fundei em 2008. Sim, vamos organizar um curso no México!

Há uns meses, através de um contacto em comum, descobri um jovem empreendedor mexicano. Sem planos nada concretos, começámos a falar. A certa altura, de forma bem natural, fomos transformando em realidade o desejo de fazermos algo em conjunto. E, dessa forma aparentemente tão simples, surgiu o plano de um primeiro curso da Bwizer por estas terras. O curso será com um dos fisioterapeutas da equipa de futebol do Real Madrid e é já um êxito! E isso enche-me de satisfação. Daquela satisfação que talvez só um empreendedor pode entender. A satisfação de ver concretizado algo que numa certa altura só existiu na minha mente e, ainda por cima, com impacto marcante na vida destas pessoas.

É uma sensação viciante, de um vício que nem sinto diminuir em mim, nem que quero perder.

Faço estas reflexões à mesa de uma “cantina” local, música mexicana como pano de fundo. Estou sozinho. E estou a desfrutar do momento, depois de um dia intenso de trabalho com o jovem Guillermo, ultimando todos os detalhes do curso, e de uma conferência que o antecede.

Gosto de pessoas com fome de fazer coisas. O Guillermo é uma delas. Vim ao México testemunhar um evento Bwizer mas, sobretudo, conhecer ao vivo as pessoas que, até agora, estavam do outro lado do email e do telefone. Estou a meio da minha estadia e já podia partir satisfeito. Porque já iria mais rico.

Viajar é extraordinário. Conhecemos pessoas novas. Algumas, inspiradoras. Conhecemos novos lugares. Mas, sobretudo, conhecemo-nos melhor a nós próprios. E os momentos em que estamos sós, como este, são excelentes para reflexão. Por que razão faço tudo isto? Quais são os custos destas escolhas?

E, se a ambição de tornar real a visão que tenho para a Bwizer me ajuda a estar muito focado, mesmo deste lado do Atlântico, tenho total noção que isto vem com um custo. Às vezes, com um custo elevado.

Imensas vezes viajo e pouco mais vejo que o hotel e o local onde estiver a trabalhar. Muitas vezes, passo muito tempo sozinho. Quase sempre, do ponto de vista financeiro, o esforço é elevado. Umas vezes divirto-me, outras nem tanto. Raras vezes me queixo.

São os custos de um projecto definido, planeado e em execução.

E, desta vez, o custo é claramente alto: perdi o nascimento do primeiro filho de um grande amigo. De um dos meus melhores amigos. O abraço ao pai e à mãe, e o beijo temeroso no pequeno rebento vão ter que ficar um pouco para mais tarde. Sê bem-vivido pequeno Francisco Duarte!  Se um dia estiveres longe dos teus amigos num momento especial para eles, como eu estou quando pela primeira vez tu viste a luz do mundo, sabe que os sacrifícios que porventura possas estar a suportar fazem muito mais sentido por teres bons amigos.

Despeço-me com um até já e até sempre, desejando-te apenas uma coisa: que um dia possas ter um amigo como o teu pai é meu amigo. Serás um homem rico.

Varredor de ruas

Há já largos meses me tinha chamado a atenção a forma de trabalhar do varredor da zona onde moro.

Muito cedo, pouco depois das 7 da manhã, era frequente vê-lo já a trabalhar. À tarde, lá estava ele, noutra rua. No inverno, com chuva e frio. No verão, com sol e calor. E sempre, sempre, com a mesma energia. A mesma frenética dedicação. Dei comigo admirando o profissionalismo daquele jovem indivíduo.

Decidi que um dia que nos cruzássemos a pé, lhe diria que tinha reparado no seu trabalho e que o admirava.

Os meses foram passando e, quando passava por ele, ia de carro. Ainda pensei em parar algumas vezes mas nunca o fiz. Acho que, arrogantemente, não queria correr o risco de ficar desiludido. Afinal, não o conhecia de lado nenhum.

Mas, hoje, à hora de almoço, ao estacionar em frente a casa, carro com A/C no frio máximo, eis que o vejo do outro lado da rua.

Fui ter com ele. Suava em bica. O calor era infernal.

Cumprimentei-o e começámos a falar. Perguntei-lhe a que horas começava a trabalhar, à guisa de ice-breaker, e disse-lhe que admirava o seu trabalho porque, estivesse frio ou calor, chovesse ou fizesse Sol, o via sempre com o mesmo empenho e dedicação quando, em bom rigor, se trabalhasse com menos ritmo, certamente ninguém se preocuparia em demasia.

Com o elogio devolveu-me um sorriso e resumiu toda a razão da sua dedicação com um singelo: “É preciso ter gosto no que se faz”.

Falámos um pouco mais e ele, orgulhoso, disse-me que não era a primeira pessoa que o elogiava, que lhe tinham dito algumas vezes que nunca as ruas tinham estado tão limpas – o que confirmo – e que ele o fazia assim porque era “perfeccionista”; que gostava de fazer as coisas bem feitas.

Explicou-me o seu conceito de brio apontando para uns enormes eucaliptos a 30 m de distância, dizendo que naquela zona, o fim de uma rua sem saída, sempre cheio de folhas, chegava a apanhar folha a folha do chão, para tudo ficar perfeito.

Dei-lhe uma vez mais os parabéns pelo bom trabalho, cumprimentei-o e entrei em casa.

Entrei em casa e continuava a pensar no varredor e decidi que o seu brio devia ser celebrado. Pensei que merecia uma entrada neste blog – a minha homenagem singela – e voltei a sair de casa.

Estava precisamente ao lado dos tais eucaliptos, metido no seu trabalho como sempre.

Ficou meio surpreendido quando me voltou a ver, e mais supreendido ficou quando lhe disse que achava o seu exemplo tão relevante – a maioria das pessoas no seu lugar, com o seu ordenado e com a dureza da tarefa, certamente se contentaria em fazer um trabalho menor – que o queria relatar no meu blog. Sorriu de novo. Perguntei-lhe se podíamos tirar uma foto e simpaticamente autorizou.

Marco - Varredor de Ruas

Continuámos a falar. Tem 28 anos – parece mais velho, que o Sol e o frio não perdoam – trabalha como varredor há 8. Veio destacado de outra zona porque mais nenhum colega estava a conseguir varrer todas aquelas ruas no tempo definido. Como a tarefa estava a ser impossível, o chefe desafiou-o a ele. E ele, deu conta do recado!

Perguntei-lhe se já tinha sido premiado por isso. “Pagar mais não pagam. Mas dão-me uns serviços extra. E isso dá-me mais um dinheiro importante no fim do mês.” E quando entrou na empresa, rapidamente passou aos quadros – nem sequer fez todo o trajecto que os outros fazem – porque gostaram logo do seu trabalho.

Disse-me ainda que antes de começar naquele trabalho já tinha passado por várias “artes” e que fazia qualquer coisa que precisasse de ser feita. E ele até tinha formação em informática mas, curiosamente, nunca tinha trabalhado naquela área.

Se queria mudar? Não, para já estava bem. Eram certos a pagar, estava efectivo e gostava do que fazia. E no final do mês, com todos os extra, já ganhava um ordenado simpático – o número final surpreendeu-me pela positiva.

Disse-me tudo isto sempre com um sorriso. E agora, enquanto escrevo estas linhas, sentado a uma secretária, ar condicionado ligado, garrafa de água ao lado, lembro-me das palavras sábias do varredor: “É preciso ter gosto no que se faz.”

Do que consigo ver – o resultado do seu trabalho – não duvido que é um excelente profissional. Um profissional que vai para além daquilo que são os mínimos. E que, indiscutivelmente, coloca paixão no que faz.

O varredor chama-se Marco. Amanhã estará certamente no seu posto de trabalho às 7 horas da manhã com vontade de deixar o seu rasto, limpando o rasto de outros. O Marco é varredor e, hoje, deu-me uma lição.

PS. Junto esta informação 40.000 visualizações depois! Muitas pessoas têm perguntado onde trabalha o Marco Monteiro. Trabalha na zona de Leça do Balio (Santana), através da empresa VerdeVista.