Ser masoquista pode ser bom

Sadomasoquismo

É excelente quando tudo corre bem. Os resultados ultrapassam o esperado, os clientes entram por nossa casa adentro, o cash-flow acumula-se, a euforia está no ar, a sensação de que somos melhores do que a concorrência está à flor da pele.

Adoro a sensação.

Mas este cenário encerra um risco. O risco da arrogância da vitória.

A história está cheia de exemplos de belas empresas que, arrogantemente, descansaram à sombra do seu sucesso. “Se somos tão bem sucedidos hoje, graças à nossa genialidade, é óbvio que amanhã continuaremos a ser geniais. E, por arrasto, continuaremos a ser bem sucedidos.” A armadilha da vaidade está sempre à vista mas, geração após geração, o ser humano fica lá preso.

Creio portanto ser necessário, mesmo nos momentos em que as coisas correm bem, e mais ainda quando há alguns indicadores menos interessantes, que se institua uma cultura de pré-pânico. Uma cultura em que, sem se chegar ao pânico, não se deixa demasiado espaço para relaxar, uma cultura em que a sensação de finitude do sucesso está sempre presente.

Sejamos claros: é da natureza humana relaxar quando as coisas estão bem – é inteligente, do ponto de vista de alocação de energia – o problema é que o mundo, e sobretudo o mundo empresarial, é tão dinâmico e tão volátil que, se o relaxamento se institucionalizar, não se conseguem mobilizar as energias necessárias para antecipar problemas futuros e resolver problemas presentes, com a argúcia e agilidade que se conseguiria num ambiente de menos certezas.

Naturalmente que não defendo que as pessoas não relaxem – eu próprio tenho vindo, ao longo dos anos, a aprender a dedicar mais tempo ao descanso e relaxamento – o que sim defendo é que as empresas não relaxem. Não acho nada que uma organização deva relaxar. A tranquilidade organizacional facilmente redunda em marasmo – ainda que inconsciente – com consequências que só podem ser negativas.

Claro que o risco desta perspectiva é passar-se às equipas demasiada ansiedade e uma sensação de permanente frustração. É um risco que deve ser controlado contudo, no limite, entre um estado de quase-frustração e um estado de regozijo cristalizador por resultados passados, opto claramente pela primeiro.

Talvez esta opção revele uma tendência algo masoquista mas, neste particular, diria que o masoquismo daquele que nunca se satisfaz verdadeiramente ou durante demasiado tempo, é um masoquismo útil. Um masoquismo que fará as suas vítimas mas que, porventura, será mais eficaz na criação de empresas vencedoras. A consciência apurada da necessidade de construção hoje, dos resultados de amanhã, desperta os nossos sentidos e prepara-nos para as batalhas que temos que travar.

A força da repetição

Sou um praticante júnior (bastante júnior) de Krav Maga, arte marcial israelita. Tem componentes

de boxe, ju-jitsu, wrestling, etc. Há combate em pé e no chão. Há combate de mãos nuas e contra

arma branca. Inclui também movimentos de defesa contra arma de fogo. E por aí fora.

Sou um tipo que nunca fez exercício de forma dedicada ao longo da vida e, menos, artes marciais

ou desportos de combate.

Hoje, faço algum esforço para aprender. Às vezes é frustrante. Por várias razões – e nem vou

considerar as de natureza física. Primeiro, porque adquirir proficiência no gesto técnico é difícil.

Segundo, porque é difícil recordar aquilo que se aprende num treino, no treino seguinte. Terceiro,

porque o automatismo, quando o contexto se altera um pouco, tarda em aparecer.

Olho para os colegas de nível mais avançado não sem inveja. Que bom seria se, com o (não)

esforço de um clique, garantisse o download de todo aquele conhecimento de forma imediata!

Claro que há dois aspectos que me afastam muito dos colegas mais avançados. O primeiro é que,

na maioria dos casos, iniciaram este treino numa idade bem inferior àquela em que eu

comecei. O segundo, mais importante, é que já repetiram aqueles gestos milhares de vezes mais

do que eu. Começar mais cedo ajuda, está claro, desde logo porque permite ter-se mais tempo

para repetir mais vezes.

Hugo Belchior Krav Maga

A proficiência numa qualquer actividade terá certamente uma componente de predisposição

individual – por mais que treinasse, nunca seria um Messi – contudo, porventura com excepção

dos verdadeiros outliers, a proficiência vem apenas da repetição. Afincada, dedicada, sistemática.

E, naturalmente, corrigindo os erros. Dia após dia. Repetição após repetição.

Se isto se aplica em qualquer actividade desportiva, também se aplica na gestão. Quanto mais

vezes conduzo reuniões e melhor as quero conduzir, tendo a melhorar neste aspecto. O mesmo

para análises financeiras, campanhas de marketing, conversas difíceis com colaboradores,

negociação com fornecedores, e por aí fora.

Uns com mais facilidade do que outros, todos aprendemos. Agora, será que todos temos a

mesma fome de aprender? A mesma determinação para repetir? E se, em cada uma das coisas

que fazemos, tivéssemos a determinação e dedicação de um Cristiano Ronaldo? Ou a paixão que

o Ayrton Senna tinha?

É hora de descansar. Ainda estou a recuperar do treino de Krav Maga de ontem. E ainda por cima

foi combate no solo. E, mais uma vez, ficou dolorosamente claro que tenho que treinar

muitas mais vezes. Milhares de vezes!

O valor do valor que acrescento

Recentemente fui convidado para uma palestra numa instituição de ensino superior, organizado pelo respectivo gabinete de apoio à inserção na vida activa.
Depois de uma parte mais expositiva seguiu-se uma sessão de perguntas e respostas.

A última pergunta que me fizeram foi “quanto acha que deve ser o valor mínimo que um profissional de saúde deve ganhar?”.

Respondi genuinamente que não sabia. E não sei. Não sei qual deve ser o preço (valor que essa pessoa deve cobrar) sem saber o valor que acrescenta (o que valem os resultados do seu trabalho). De forma propositadamente provocatória, disse que alguém pode receber o ordenado mínimo e estar, porventura, a ser demasiado bem pago…

Digo isto, com o risco de ser mal interpretado, para ilustrar uma ideia que aqui queria hoje deixar: a ideia de valor acrescentado. E a ideia é bem simples e aplica-se a indivíduos e organizações: aquilo que cada um recebe – em condições de normal concorrência – depende em larga medida do valor que consegue acrescentar. E esse valor tem inevitavelmente que ser traduzido em resultados: se não houver quem pague por aquilo que produzo, não conta.

Este conceito pode às vezes parecer cruel e afasta-se seguramente daquilo que muitas vezes está enraizado na nossa cultura de matriz católica, onde o esforço – o caminho pré-resultado – é valorizado em si mesmo. Acontece que, o mero esforço, sem resultado, não tem valor económico. Ou melhor, terá talvez um valor bem inferior às expectativas de quem o produz e, por arrasto, leva a remunerações (salários ou dividendos) mais baixos do que o desejado.

Quem produz um trabalho de mais valor acrescentado? O agricultor que, esforçando-se à exaustão, lavra um pequeno terreno com o seu arado puxado por uma junta de bois, ou o condutor de um moderno tractor que, na mesma quantidade de horas, lavra uma quantidade de hectares muitíssimo maior, porventura até com o conforto do ar condicionado? Alguém poderá dizer que o agricultor do arado se “esforçou” menos do que o condutor do tractor? Mas, poderá alguém, com honestidade intelectual, dizer que os trabalhos valeram o mesmo, uma vez que o retorno que um poderá retirar é muitíssimo menor que o do outro? (se ambos plantarem batatas, o velho agricultor seguramente terá muito menos toneladas de batatas para vender do que o aquele que usa meios mais produtivos)
arado
É hora de se deixar o esforço como métrica – por mais meritório que possa ser – e passar a focar-se mais na rentabilidade, no resultado. É a solução mais justa porque é aquela que poderá melhor remunerar quem o mercado decide, livremente, que acrescenta mais valor.

E isto não se aplica no éter. Aplica-se nos fisioterapeutas, nos personal trainers, nos explicadores, nos futebolistas, nos vendedores de gelados e em todas as empresas.

Escrevo estas linhas e forço-me a pensar na minha própria vida e na das minhas empresas. Quando uma coisa corre menos bem a tentação de arranjar desculpas externas pode ser grande. A concorrência, o mercado, os colaboradores, o que seja. E se isso pode efectivamente contribuir para o problema, o busílis estará sempre na valorização do valor que estou (ou não) a acrescentar e na proporção de custos que a sua produção está a exigir.

Termino o texto e vou trabalhar, arduamente. Porque isto de tentar acrescentar valor dá muito trabalho!

Uber, Sindicatos, Ordens e a necessidade de proteger o cliente…de si mesmo

UberJá muito se falou sobre a decisão do tribunal sobre a operação da Uber em Portugal, tendo deliberado no sentido da sua proibição. Deixo desde já claro que independentemente do juridiquês que aqui se possa aplicar, sou por princípio contrário às decisões que visem a manutenção de quem já está no mercado, protegendo-os de concorrentes mais inovadores.
Não me vou alongar excessivamente sobre este facto em concreto até porque me revejo bastante no artigo de José Manuel Fernandes, no Observador, e cuja leitura aconselho.

O que me importa aqui explorar é que esta postura de defesa dos poderes instalados é transversal a vários blocos da sociedade portuguesa. Demasiados. Os tribunais serão apenas um deles. Os sindicatos e as ordens profissionais – que na maior parte dos casos, nada mais são que sindicatos travestidos, apesar da sua missão ser a defesa do interesse público e não a defesa da corporação, são outro dos blocos que seguem o mesmo registo.

Conheço especialmente o sector da saúde e o das suas corporações. Em todas que vou conhecendo, sem excepção, há uma brutal pulsão regulatória e proteccionista. Uma pulsão sistematicamente apresentada externa e internamente como algo que visa a defesa do superior interesse do utente (curiosamente, muitas das posições, desde logo no que toca aos “limites de actuação” de cada profissão, são muitas vezes concorrentes, ficando-se sem saber quem melhor defende os interesses dos cidadãos…), procurando-se omitir o óbvio: aquilo que realmente se visa é proteger a corporação e os seus actores actuais (e nem sequer, obviamente, os seus actores futuros).

É tão mais sedutor proteger juridicamente um qualquer mercado do que ter que o proteger pelo  real valor acrescentado dos seus actores – o que implica ter que antecipar ou reagir à concorrência, desde logo à concorrência disruptiva – que, definitivamente, não há corporação que não tente seguir este caminho.

A história da Uber e da reacção dos taxistas adquire assim um impressionante paralelismo com o atavismo de tantas corporações profissionais: quer-se limitar a concorrência, mesmo que essa concorrência seja sancionada pelos clientes!

O desprezo pelo cliente, pela sua liberdade de escolha e, por esta via, o fim do incentivo à inovação, é angustiante e não augura nada de bom neste velho Portugal e nesta velhíssima Europa. Nestes momentos temo, ainda com mais intensidade, pelo nosso futuro colectivo e dá-me vontade de emigrar. Não à procura de subsídios, mercados maiores ou melhor clima. Emigrar apenas em busca de maior liberdade! Em busca de um lugar onde os poderes instalados podem efectivamente ser desafiados, sem ter que se bloquear a inovação com providências cautelares ou greves. Um lugar onde é o cliente – cada um de nós – que está no centro das preocupações. Um lugar sem rendas garantidas para quem presta um serviço, seja ele qual for. Um lugar onde o rendimento vem do mérito, determinado pela livre escolha do cliente.

Felizmente, naquilo que posso controlar, que é a estratégia da minha empresa, já vamos dando passos no sentido de estarmos menos dependentes do jugo opressor da velhinha pátria e do abraço protector – Graças a Deus – dos nossos taxistas, tão zelosos dos seus serviços de excelência…